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2020 #18 - "Kenemglev"

Publicado por Flur Discos em

Ao longo do mês de Dezembro destacamos um disco por dia. Novidades 2020, reedições ou, até, edições de anos anteriores. A essência é que seja um disco com significado para nós ao longo dos últimos meses. Num ano atípico para todos, mas também num período de grande mudança para a Flur.

A melhor história conta-se pelo acaso. Simon Crab e Charles-Émile Beullac nunca se conheceram. Trocaram sons à distância, entre 2017-2019, com uma série de regras, criando este “Kenemglev” e formando os Sabaturin. Pouco acaso aí. Esse há em 2020 e no distanciamento social e no empurrão que o mundo levou para trabalhar e ser criativo à distância. Novas soluções para um mundo em mudança.

O acaso está em termos passado os últimos meses a ouvir “Kenemglev” e parecer-nos tão natural que dois músicos criassem assim, sem impor barreiras e trabalhando as ideias em favor de um consenso, que é o que “Kenemglev” significa em Bretão. E, claro, à distância. Que esse factor não fosse uma condição, mas uma decisão. Uma possibilidade. O cumprir de uma troca de ideias.

Sem adornos. Música com sentido porque foi assim criada. Música com mais sentido porque agora estamos longe e queremos estar perto. Uma visita à electrónica dos 1990s com a precisão de relojoeiro. Um clássico para o futuro.

"Sabaturin é um projecto de Charles Émile-Beullac (Galerie Stratique, Canadá) e Simon Crab (Bourbonese Qualk, Reino Unido). À semelhança da troca de som em cassetes por correspondência no auge do circuito underground de mail art (década de 80 e parte da década de 90), esta colaboração fez-se à distância mas beneficiando de toda a facilidade de processos na era digital. "Kenemglev" significa Consenso em Bretão, língua e território neutro que ambos os músicos escolheram como representação do encontro das suas respectivas culturas. Ao método mais detalhado e exaustivo de composição por parte de Beullac, Crab acrescentou a intuição do momento.

No resultado ouvimos ambientes delicados, erros controlados e polidos, narrativas em miniatura que pulsam mais quando surgem as grelhas rítmicas que, por vezes, reconhecemos dos Bourbonese Qualk da era "My Government Is My Soul" (1989). Beullac retém alguma da identidade do seu projecto Galerie Stratique, cujo álbum "Nothing Down-To-Earth" ganhou 8.7 na Pitchfork em 2002, virando as cabeças de fãs de Boards Of Canada.

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Kenemglev" nunca se define por uma fórmula e então a música mantém-se solta, tanto Mille Plateaux (editora-bandeira na electrónica pré-milenar) como clássica assinatura de sampling de rádio de onda curta (frequentemente usada na cena industrial) ou dub, tudo misturado numa única entidade que dispensa associação a quaisquer dos actuais rótulos de imprensa aplicados à música electrónica.

Em vinil, cada lado flui sem interrupção, as faixas encontram-se coladas ou ligeiramente sobrepostas, numa espécie de representação da arte que adorna a capa, gerada por Simon Crab a partir de uma simulação de padrões Chladni.
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