
Kwanza
Archie Shepp
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Titã no saxofone, para quem conhece a faceta mais desenfreada, livre de Shepp (período dos 60s) apanhará um choque ao ouvir "Kwanza". - nascido dasa gravações do disco "For Losers", criado no final dos anos 60 numa ida a Nova Iorque, é uma mostra de um lado mais soul, funky, da música de Shepp, com as vozes de Leon Thomas e China-Lin Sharpe em temas emotivos e de coração cheio. Pausa assumida nas deambulações free, há aqui um foco na música negra do âmago dos 70, com lupa em ritmo, groove e atmosferas sensuais. "Back Back" soa a uma música funk retirada de um disco de Library ou de uma banda sonora de Blaxploitation, com breakbeat swingado, aliado à secção rítmica de um robusto baixo e teclas em ascendência. Leon Thomas e as suas técnicas vocais também surpreendem neste disco - afinal, isto é tudo fruto da mesma sessão do final dos 60s - no tema "Spoo Pee Doo", onde a voz de Thomas é o punctum em longos lamentos onomatopeicos. Shepp consolida-se como um reconfigurador de códigos - outrora evidenciado em discos como "Fire Music", por exemplo - onde os seus sopros se transformam em metáforas de expressões emotivas (o tal "grito" dos sopros, como escrevia Jorge Lima Barreto em publicações sobre a vanguarda do jazz, é amplamente usado como Shepp). "New Africa" soa a um Shepp mais 60s, apresentando um arranjo que começa de forma mais clássica, contida, bonita e exuberante, numa estrutura tradicional que progressivamente vai sendo mais desafiada, mais sujeita ao grito de Shepp, expressão máxima de história e dor. Em "Kwanza" há um choque, um confronto de gerações, ideias, de sensações e culturas: o tradicional e o moderno em plena disputa, travando palavras, vontades, ideias, maneiras de fazer e apresentar. Shepp tinha uma visão singular sobre a história do jazz em particular e da música negra em geral. "Kwanza" é um ensaio sobre isso.