KID A MNESIA
Radiohead
Pode pegar-se na narrativa de novo milénio, no esgotamento de uma fórmula de pop/rock ou de aceitar - mais uma vez - que outros géneros entre na música popular sem que isso faça mossa. Pode-se olhar para os Radiohead como visionários ou pode-se perceber como a banda que estava em melhor posição para o fazer e para que isso fosse aceite. Fosse outra, naquele momento, a narrativa seria outra. A influência-Warp seria negligenciada para o esquisito e nunca glorificada como saber. Mas estar lá e fazê-lo tem os seus méritos. E foram os Radiohead a fazê-lo. É assim que "Kid A" faz história (2000), rapidamente seguida por "Amnesiac" no ano seguinte. A mudança foi - e ainda é - constante na sua carreira. O salto já tinha sido gigante de "Pablo Honey" para "The Bends", ainda maior quando se chegou a "Ok Computer". Mas com "Ok Computer", em 1997, perceberam como a música não tinha de ser uma fórmula e enquanto a praticavam no disco e a esgotavam criaram as rachas para outros caminhos. O álbum de 1997 continua a ser maravilhoso, um dos grandes quebra-cabeças do rock dessa década. "Kid A" confirmou-lhes o arrojo fora do normal, a vontade de não repetir e de desejar caminhar pelas linhas tortas na fama: foi com isso que se tornaram famosos, requisitados. "Kid A" deixa entrar a electrónica e o jazz. Hoje parece um disco mais rock do que em 2000 (um elogio a que o tempo convida). "Kid A" abriu estrada para a normalização de certos sons na música popular. Os cruzamentos já existiam, a sua aceitação tão normalizada nem por isso. No ano seguinte, "Amnesiac" traz novas canções com as mesmas armas de "Kid A", não como um conjunto de lados B, mas com uma série de músicas da mesma fornada, trabalhadas com mais confiança, afinando o real salto proposto por "Kid A". "Kid A" é a ideia, "Amnesiac" é o corpo, a materialização do salto no rock dos Radiohead. "Kid A Mnesia" não reescreve a história, é uma forma de compreender num pacote um período e juntar-lhe uma série de temas do mesmo período - "Kid Amnesiae" - que não completam nenhum puzzle, apenas dão mais contexto. Mas mais do que os avanços, da conversão de muitos - e de muitos músicos - a um som / abertura de horizontes, tanto "Kid A" como "Amnesiac" importam pela forma como se ouvem, como discos livres, com uma sensação de liberdade incrível. Mesmo que o salto tenha poucos riscos, é preciso coragem para o fazer. Os Radiohead deram-no no momento certo, da sua carreira, da história da música popular e da mudança de paradigma e a nossa relação com a nostalgia na nova década/século/milénio.