Água-Má
Filho da Mãe
Nos discos de Filho da Mãe (Rui Carvalho) encontram-se histórias seguras e bem-definidas com realizações claras dos caminhos que resolve percorrer. O modo como afirma a sua guitarra e a linguagem que pratica nasce, contudo, de uma estranheza com os locais onde decide gravar. Foi assim desde o começo, com "Palácio", disco gravado em casa do seu amigo, e companheiro de armas nos If Lucy Fell, Makoto Yagyu, depois em "Cabeça", entre Montemor-O-Novo e o Gerês, ou quando foi para Amares resolver as ideias para "Mergulho" no Mosteiro de Santo André de Rendufe. "Água-Má" segue a tradição, num movimento entre Portugal Continental (Lisboa, no estúdio HAUS) e as ilhas madeirenses, onde esteve durante uma semana em residência no primeiro trimestre de 2018. "Água-Má" é sinónimo de alforreca e os tentáculos do ser marinho talvez sirvam de analogia para o dedilhar na guitarra de Filho da Mãe, ou a transparência da criatura como uma referência aos jeitos límpidos e lúcidos das composições que aqui apresenta. É um álbum que começa na "Praia", uma vertiginosa corrida de alguém que foge com todas as certezas, e termina em "Casa", onde larga a guitarra e deixa "Água-Má" repousar num registo de tranquilidade em modo field recordings, ficando a sensação de caminho percorrido e dever cumprido. A distância entre essa "Praia" e a "Casa" é o fulgor de "Água-Má". Filho da Mãe ficciona lugares e situações narrados por alguém que sabe impor o seu próprio tempo e história. Depois de uma corrida para Praia, cai bem a calma, segurança e brandura de um "Não Me Voltes Atrás"; as incertezas de "Não, Não Danço" seguram a galopada de "Nem Chuva, Nem Cães". E em cada canção ouve-se a respiração de Rui Carvalho, uma marcação do tempo e da proximidade com que quer que oiçamos as suas canções. É uma partilha do seu espaço íntimo com o do ouvinte, um refrão constante que acompanha as melodias da guitarra e se funde com os sons em redor, ouvidos em alguns temas, e que humanizam a estética singular de Filho da Mãe. Os locais onde Rui Carvalho grava constroem a história dos seus álbuns e os locais só ficam mais ricos por ouvirem as aventuras que neles viveu com a sua guitarra.