Moving Day
André 3000
A trajectória de rapper para compositor de música ambiental podia ser transformado num meme (e provavelmente, foi), mas se "New Blue Sun", quando saiu, impressionou toda a gente pela candura musical e pela facilidade com que André 3000 transformava a sua flauta num sopro curandeiro, "Moving Day" é um avanço na direcção certa. Lembrando mais os esforços característicos das facetas mais livres do jazz, em "Moving Day" há, efectivamente, muita moção canalizada através da flauta, que serve de instrumento rítmico, harmónico e acentuador de ideias, frases, vozes em comunicação perpétua, cíclica. Pelo meio há uma espécie de interlocução com um instrumento - ou instrumentos - mais graves, surgindo até sons que parecem manipulados por fita (seja em reverso ou com o tom alterado), adicionando realismo e entropia ao diálogo aqui estabelecido. Os instrumentos percussivos também evitam uma função expressamente rítmica, estabelecendo-se como espíritos em dança nesta composição abstracta. A serenidade maior dá-se aos seis minutos, com a(s) flauta(s) de André 3000 em drone, serpenteando como motivos móveis, reptilianos, em volta de um oasis areoso. "Day Moving", por sua vez, estabelece uma função mimética em relação à primeira faixa, agindo como um gémeo perverso, reproduzindo-a em reverso e distinguido pormenores escondidos entre as nuances texturais agora reveladas pelo outro lado do espelho. André 3000 consegue ir além das ideias do seu primeiro disco ambiental com uma intenção artística nobre, onde um corte-e-colagem estrutural nos dá algo mais do que a clareza espiritual e os títulos absurdos de "New Blue Sun". Bravo.