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2020 #26 - "Guerrilla"

Posted by Flur Discos on

Ao longo do mês de Dezembro destacamos um disco por dia. Novidades 2020, reedições ou, até, edições de anos anteriores. A essência é que seja um disco com significado para nós ao longo dos últimos meses. Num ano atípico para todos, mas também num período de grande mudança para a Flur.

Foi lançado no início do confinamento. Toda a sonoridade de guerra que se ouve em "Guerrilla" bateu forte. Por um lado, a criatividade com que Nazar usa sons militares/guerra com uma energia de mensagem e, simultaneamente, de fuga à electrónica/dança limpa que não sabe como fugir da cabeça, do quarto. Música de resistência, de resolução e que só nos fez ficar mais fortes: ouvir este disco naquele momento só nos tornou mais preparados. Com outras armas, com outros sons na cabeça, com "Guerrilla" sempre no fundo.

"Há uma história por detrás de “Guerrilla” de Nazar – acerca da guerra civil de Angola / do seu pai – e há outra na Hyperdub. Nas origens da Hyperdub, com Kode9 e Burial e a afirmação de um som que reanimava a música urbana da electrónica/dança por via do dubstep – agora estamos confortáveis para dizer que ‘não era puro-dubstep’ – para o século XXI. Entretanto a Hyperdub estancou à sua maneira, nem bem nem mal, alicerçados na carreira dos seus artistas-poste (que continuaram a editar música importante) e por lançamentos que, ocasionalmente, acertavam na mouche (como os álbuns de Laurel Halo ou brilhante estreia de Loraine James em 2019). Mas música que pode redefinir uma geração? Não é por se estar no início de uma nova década ou pelas relações de Nazar com Angola questionarem uma ligação com o kuduro ou com a Príncipe. É bom colocar isso de lado. O que faz de “Guerrilla” num álbum que pode transformar uma geração é a sua noção impressionista de adrenalina misturada com uma narrativa que se vai construindo com beats que chocam e entram em conflito com a própria dimensão estética do álbum. Há esquizofrenia contemporânea em “Guerrilla”, com uma linguagem clarificada que ignora os vícios do presente em causar choque pelo ruído. É esquizofrenia da genética da música urgente que sabe ser urgente e com algo para dizer. É música de dança com sensações, sentimentos, capaz de provocar choque, horror e sorrisos. Há uma sensação de alívio quando se chega ao fim de “Guerrilla”; alívio por finalmente se deixar de ser atropelado. É com música do presente que se faz o presente. E é comum falar-se no futuro quando se fala no presente, para justificar o que hoje se ouve como sendo “importante”. Mas a música importante não importa assim tanto. A urgência genuína sim. Nem que seja de gritar, de contar uma história como se acredita nela. Nazar faz isso com as ferramentas, a linguagem que dispõe. Tão necessário quanto sairmos para a rua e apanharmos sol hoje."